4.11.09

Besouro

Finalmente alguém teve coragem de enfrentar os preconceitos do cinema nacional e dizer "por que não fazer um filme de ação no Brasil? um filme de herói, um épico?". E quem teve a coragem de fazer isso foi João Daniel Tikhomiroff, o publicitário brasileiro mais premiado no festival de publicidade de Cannes. Pena que o resultado é o fraco Besouro, baseado no livro Feijoada no Paraíso de Marco Carvalho, que por sua vez foi baseado em extensa pesquisa sobre a vida do Besouro real que viveu na Bahia na década de 20.
Besouro é considerado por muitos o maior capoeirista que já existiu, até hoje seu nome é cantado nas rodas de capoeira e sua história de fato foi heróica, inspirada e trágica. Sua luta para libertar os negros, que quase 40 anos após a abolição da escravatura ainda viviam em um regime de quase escravidão foi o que inspirou o povo a se unir e eventualmente conquistar melhores condições de vida.
Já no filme eu nem sei o que dizer do Besouro. Com um roteiro mal desenvolvido e uma montagem muito equivocada, parecendo até preguiçosa em alguns momentos e pedante em outros, não há desenvolvimento algum de nenhum personagem. E isso não se aplica só para Besouro, cheguei ao final do filme sem entender se o Coronel é só aquele estereótipo de coronel cruel e populista, ou se existe algo maior por trás do rancor que ele sente por Besouro e mesmo o que significa sua relação com Teresa, uma de suas "escravas", que parece ser algo mais do que sexual, ele claramente demonstra ciúme durante a visita do deputado. E por falar nele, o deputado é um personagem completamente dispensável na trama, não serve nem para mostrar o poder de influencia do coronel (o que deve ter sido a motivação para sua criação).
Outra personagem perdida é Dinorá, criada exclusivamente para o filme Dinorá é o interesse romântico de Besouro e também de Quero-quero, seu amigo de infância, um triângulo amoroso que será fundamental para os eventos que desencadeiam a morte de Besouro. O problema é que Dinorá, vivida por Jessica Barbosa, não parece estar envolvida por nenhum dos dois.

No entanto, visualmente o filme é muito competente, a fotografia é ótima, a direção de arte impecável e a coreografia das cenas de luta é perfeita, mérito de Huen Chiu Ku que tem no currículo coreografia de lutas para filmes como O Tigre e o Dragão e Kill Bill.
E falando nas lutas, esse é outro problema do filme, ele está sendo divulgado como um filme de ação, mas as cenas de luta são muito poucas e o personagem título passa a maior parte do tempo contemplando sua condição e tendo sonhos/alucinações com os orixás e seu mestre, que morre no início do filme. Nem mesmo o clímax existe no filme, o confronto final entre Besouro e o Coronel e seus capangas é interrompido abruptamente pela montagem, antes de ter engrenado a ponto de encantar o espectador.
Joseph Campbell descreveu diversas vezes em seus trabalhos sobre mitologia o que ele chama de A Jornada do Herói (para entender melhor dê uma olhada neste link). E é isto que não vemos no filme: como Besouro passou de um malandro que gostava de se exibir para o representante de seu povo, um herói que merece ser lembrado até hoje.
Fica difícil se comover com um filme que não deixa você se envolver com nenhum personagem.

ps: fico devendo a foto, o Blogger não tá deixando eu fazer upload... ¬¬

3.11.09

Surrogates / Substitutos


Substitutos (Surrogates) é um filme que poderia ter sido muito bom, muito bom mesmo, se ousasse se aprofundar em pelo menos um dos elementos propostos por sua trama, mas tudo está diluído, sem impacto e sem impressionar. No futuro a maior parte dos seres humanos vive reclusa em suas casas e utilizam robôs (os surrogates do título original) para executar todas as tarefas e interações sociais de sua rotina (é como se o Second Life fosse a sua única life, mas com robôs) e a tecnologia permite aos usuários uma imersão empírica total através de seus robôs e sem os riscos a vida, ou seja vc pode pular de paraquedas sem medo pq mesmo se ele não abrir o máximo que vc terá que fazer e comprar um novo surrogate. Além disso as doenças estão praticamente extintas, pois sem contato humano não há contágio, a discriminação racial, social e por aparência em geral deixou de existir, pois são todos robôs bonitos e em excelente forma e até mesmo a criminilidade caiu 99% durante os anos de surrogacy.
Mas existe uma pequena parcela da sociedade que se recusa a viver através de "puppets" (pejorativo para surrogate) e vivem em colônias fechadas onde só é permitida a entrada dos humanos. Entre eles há um homem que se destaca e se intitula O Profeta, que prevê que a era dos surrogates está chegando ao fim (e se necessário, por suas mãos).
Neste contexto ocorre o assassinato do filho do criador dos surrogates através de uma misteriosa arma que permite matar o usuário ao ser disparada contra o surrogate. Aí entra em cena Bruce Willis, interpretando (como sempre) o detetive durão que tem um passado trágico, para investigar tal assassinato com a ajuda de sua parceira Agente Peters (Rhada Mitchell).
Mas como eu disse no início do texto, o problema de Surrogates é a falta de comprometimento com as boas idéias apresentadas pelo roteiro, idéias como o impacto do surrogates nas guerras, a identidade do indivíduo ao poder escolher o corpo que quiser, as consequências de ter 99% da população mundial literalmente pluggada a uma rede de servidores de uma empresa privada, o que implica ao ser revelado que determinado personagem humano era na verdade um surrogate e muito mais. Tudo é superficial, e portanto esquecível. Ao se prender na dicotomia surrogacy x realidade o filme parece datado, especialmente nos dias de hoje onde temos The Sims, Second Life, World of Warcraft e outros MMORPGs.